MINISTÉRIO DA SAÚDE
Decreto-Lei n.º 83/2013 de 24 de junho
A Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, que aprovou o Estatuto do Dador de Sangue, prevê o direito ao seguro do dador, por parte do dador ou candidato a dador de sangue. O presente decreto-lei visa, assim, criar o seguro obrigatório do dador de sangue ou candidato a dador de sangue previsto na referida lei, reconhecendo a relevância, para a sociedade, da dádiva voluntária e não remunerada de sangue.
Ser Dador de Sangue em Portugal
Através da dádiva de sangue, os serviços de sangue asseguram a produção de componentes sanguíneos com elevados padrões de qualidade e segurança, permitindo a sua libertação para administração terapêutica aos doentes recetores da transfusão. Os dadores de sangue, ao efetuarem a dádiva voluntária de sangue, constituem-se, neste contexto, como garante dessa terapêutica, contribuindo generosa e anonimamente para esse elo fundamental da prestação de cuidados de saúde que a transfusão sanguínea representa.
A dádiva de sangue é um ato seguro, no entanto não isento da possibilidade de ocorrência de algum incidente ou reação adversa para o dador, pelo que a existência de um seguro nos termos do presente diploma legal, permitirá aos serviços de sangue e aos dadores, dispor da garantia de que as complicações e acidentes relacionados com a dádiva de sangue serão devidamente reparados.
Assim, através deste seguro, pretende-se garantir ao dador de sangue ou candidato a dador, o direito a ser indemnizado pelos danos resultantes da dádiva de sangue ou de acidentes que estes possam sofrer no trajeto de ida para o local de colheita e de regresso deste, quando convocados para a dádiva de sangue.
Foram ouvidos o Instituto de Seguros de Portugal e a Associação Portuguesa de Seguradores.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º - Objeto
O presente decreto-lei estabelece o seguro do dador de sangue, previsto na Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto.
Artigo 2.º - Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Acidente», o acontecimento de caráter súbito, fortuito e imprevisível, devido a causa externa alheia à vontade do dador de sangue ou candidato a dador, que lhe cause lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte incapacidade temporária, incapacidade permanente, ou morte, verificadas clinicamente;
b) «Candidato a dador», aquele que se apresente num local de colheita e declare ser sua vontade doar sangue;
c) «Complicações da dádiva», toda a reação e evento adverso com relação temporal e causal com uma determinada dádiva de sangue;
d) «Complicação imediata», aquela que ocorre antes de o dador abandonar o local de colheita;
e) «Complicação tardia», aquela que ocorre depois de o dador abandonar o local de colheita e no período máximo de 90 dias após a data da colheita;
f) «Dador de sangue», aquele que, depois de aceite clinicamente, doa benevolamente e de forma voluntária parte do seu sangue para fins terapêuticos;
g) «Local de colheita», toda a área afeta à dádiva de sangue na qual o dador ou candidato a dador se encontra ou deva dirigir-se, em virtude da doação de sangue, entendida como o espaço físico no qual o pessoal de saúde regista e pode observar o dador, colher sangue, servir a pequena refeição pós dádiva de sangue e ministrar cuidados de saúde a dadores que apresentem complicações decorrentes da dádiva;
h) «Pessoa segura», o dador de sangue ou o candidato a dador cujo risco da verificação de lesão corporal, invalidez permanente, incapacidade temporária absoluta ou morte por acidente se segura;
i) «Segurado», entidade sujeita à obrigação de segurar;
j) «Sinistro», o evento causador de danos, que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato;
k) «Trajeto de ida para o local de colheita e de regresso deste», trajeto entre o local de residência ou de trabalho e o local de colheita;
l) «Terceiro lesado», o dador de sangue que sofra um dano ocorrido durante a dádiva de sangue ou resultante de complicações da dádiva, imediatas ou tardias, suscetível de ser indemnizado nos termos do presente decreto-lei;
m) «Tomador do seguro», entidade que celebra o contrato de seguro com o segurador, sendo responsável pelo pagamento do prémio.
Artigo 3.º - Direito a indemnização
1 - A título de responsabilidade civil, o dador de sangue tem direito a ser indemnizado, independentemente de culpa do segurado, pelos danos decorrentes da dádiva de sangue ou resultantes de complicações da dádiva, imediatas ou tardias.
2 - A título de acidentes pessoais:
a) O dador de sangue ou candidato a dador de sangue têm direito a ser indemnizados pelos danos resultantes de acidentes ocorridos no local de colheita, ainda que não efetivem a dádiva de sangue;
b) O dador de sangue ou o candidato a dador têm direito a ser indemnizados pelos danos resultantes de acidentes que sofram no trajeto do, e para o local de colheita, desde que tenham sido expressamente convocados para a dádiva de sangue, pelo serviço competente.
3 - Considera-se que o dador de sangue é terceiro lesado para efeitos do n.º 1 e pessoa segura para efeitos do número anterior.
Artigo 4.º - Coberturas obrigatórias
As entidades que efetuem atos que tenham por objeto a dádiva e colheita de sangue devem contratar e manter em vigor, nos termos do presente decreto-lei, os seguintes seguros:
a) De responsabilidade civil, que cubra os danos previstos no n.º 1 do artigo anterior;
b) De acidentes pessoais, que cubra os danos previstos no n.º 2 do artigo anterior.
Artigo 5.º - Exclusões
1 - Salvo convenção em contrário, são excluídos do âmbito das garantias estabelecidas no artigo 3.º:
a) Os danos causados aos dirigentes de topo da pessoa coletiva cuja responsabilidade se garanta;
b) Quaisquer doenças, quando não se prove, por diagnóstico médico inequívoco que são consequência direta do acidente ou da dádiva de sangue;
c) Os danos decorrentes de ações ou omissões do lesado ou pessoa segura, quando estes apresentem taxas de alcoolemia superiores a 0,5 g/l, ou estejam sob a influência de estupefacientes e medicamentos fora da prescrição médica, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo;
d) Os danos decorrentes de ações ou omissões cometidas dolosamente pelo lesado ou pessoa segura sobre si próprios ou cometidas, por estes, em violação das regras e prescrições do estabelecimento onde ocorre a dádiva de sangue;
e) Os danos decorrentes de atos de guerra, guerra civil, invasão, hostilidades, insurreição, terrorismo, poder militar ou civil usurpado ou tentativas de usurpação do poder, distúrbios laborais tais como assaltos, greves, tumultos e lock-outs, bem como decorrentes de cataclismos da natureza;
f) Os danos resultantes de acidente que deva ser garantido por outro seguro obrigatório, designadamente de acidentes de trabalho ou de responsabilidade civil automóvel.
2 - Para além das exclusões previstas no número anterior e salvo convenção em contrário, ficam também excluídos das garantias estabelecidas no n.º 1 do artigo 3.º:
a) Os danos morais;
b) As reclamações resultantes ou baseadas, direta ou indiretamente, na aplicação de quaisquer cauções, taxas, multas ou coimas, impostas por autoridades competentes, bem como de outras penalidades de natureza sancionatória;
c) Os danos decorrentes da prestação de informações falsas pelo lesado aos serviços de sangue.
3 - Para além das exclusões previstas no n.º 1 e salvo convenção em contrário, ficam também excluídos das garantias estabelecidas no n.º 2 do artigo 3.º:
a) Perturbações ou danos exclusivamente do foro psíquico;
b) Ações praticadas pelo beneficiário sobre a pessoa segura.
Artigo 6.º - Capital seguro
1 - Para efeitos do seguro de responsabilidade civil, o capital seguro deve corresponder, no mínimo, a 200 000,00 EUR por anuidade, independentemente do número de sinistros ocorridos e do número de lesados envolvidos.
2 - No que respeita ao seguro referido no número anterior, se o segurado responder perante vários lesados e o valor total das indemnizações ultrapassar o capital seguro, as pretensões destes são proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
3 - Para efeitos do seguro de acidentes pessoais, as garantias e capitais seguros devem corresponder, no mínimo, por pessoa segura:
a) A 100 vezes a retribuição mínima mensal garantida, em casos de morte ou invalidez permanente;
b) A um subsídio diário calculado em função da retribuição mínima mensal garantida, com a duração máxima de 12 meses, em casos de incapacidade temporária absoluta;
c) Ao pagamento das despesas de tratamento até um máximo de 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
4 - O grau de incapacidade é determinado pela Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
Artigo 7.º - Prazo de participação de sinistro
1 - A verificação do sinistro deve ser participada pelo segurado ao segurador no prazo de oito dias imediatos após o seu conhecimento.
2 - Os acidentes abrangidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º devem ser comunicados pela pessoa segura ao segurado no prazo máximo de 48 horas após a sua ocorrência, salvo nas situações em que justificadamente a pessoa segura se encontre impossibilitada de o fazer, caso em que o referido prazo é contado a partir do momento da cessação da causa que determinar a impossibilidade.
Artigo 8.º - Período de cobertura do seguro de responsabilidade civil
A cobertura de responsabilidade civil pode ser limitada aos sinistros causados por factos geradores ocorridos durante a vigência da apólice desde que reclamados até um ano após a manifestação do dano causado pela dádiva de sangue.
Artigo 9.º - Âmbito territorial
O contrato produz efeitos em relação a sinistros ocorridos no território nacional.
Artigo 10.º - Franquia
O contrato de seguro pode prever uma franquia não oponível aos lesados ou pessoas seguras ou aos seus herdeiros.
Artigo 11.º - Direito de regresso e sub-rogação
1 - O contrato de seguro pode prever o direito de regresso do segurador contra o tomador do seguro ou contra o segurado quando os danos resultem:
a) De qualquer infração ou inobservância de leis, normas, regras e princípios de conduta e deontologia profissional que regem a sua atividade, bem como de outras disposições legais ou determinadas pelas autoridades competentes;
b) Das ações ou omissões dolosas do segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável.
2 - O contrato de seguro pode ainda prever a sub-rogação do segurador nos direitos do lesado ou da pessoa segura contra qualquer terceiro civilmente responsável pelo sinistro na medida do montante que tiver sido pago.
Artigo 12.º - Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor 60 dias após a data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de abril de 2013. — Pedro Passos Coelho — Vítor Louçã Rabaça Gaspar — Paulo José de Ribeiro Moita de Macedo.
Promulgado em 14 de junho de 2013.
Publique-se.
O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA.
Referendado em 19 de junho de 2013.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.