Skip to main content

ADOPÇÃO EM PORTUGAL – Parte 2 – Dimensão “emocional”

O descritivo que aqui se apresenta tem por base a experiência de uma adopção feita através do Serviço de Adopção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Cada caso de adopção é válido por si, sendo que este descritivo não pretende representar qualquer tipo de generalização dos processos de adopção em Portugal. O artigo está dividido em duas partes, a primeira dá nota da dimensão processual da adopção e a segunda de uma dimensão “emocional” resultante desta experiência. A equipa do Sabias Que está ao dispor para esclarecer quaisquer dúvidas ao seu alcance através dos fóruns, formulário ou artigos . Caso deseje que a sua questão seja tratada com confidencialidade, por favor, utilize o formulário e escreva a palavra “CONFIDENCIAL” no início da sua questão.

ADOPÇÃO EM PORTUGAL – Parte 1 – Dimensão processual
ADOPÇÃO EM PORTUGAL – Parte 2 – Dimensão “emocional”
Adoção Internacional - Portaria n.º 287/2013 de 19 de setembro
Apadrinhamento civil entra em vigor
Publicado diploma que define regras do apadrinhamento civil

1. Candidatura

Independentemente dos motivos que levam à adopção, esta é uma opção. Assim, quando uma pessoa/casal se dirige a um serviço de adopção leva consigo a vontade de ser pai/mãe, sendo a criança uma “materialização” da opção/decisão de ter filhos. Aqui começa um processo que tem associado inúmeros mitos e pré-conceitos que, ao longo do tempo, vão sendo desconstruídos pelas conversas/entrevistas entre a equipa de adopção e a pessoa/casal candidato. A equipa de adopção tem uma postura que visa a defesa do interesse da criança, sendo que procura conhecer os candidatos o melhor possível de forma a poder propor uma criança que “case” bem com estes, visando proporcionar, efectivamente, uma alternativa de vida “saudável” para a criança. Esta postura é clara ao longo do processo e é pedido aos futuros pais que façam um “exercício” de verificação de aceitação da criança por parte da família alargada, considerando as características da pretensão de adopção. Ou seja, conforme aquilo que vai sendo discutido relativamente à criança pretendida, e às limitações humanas, assim devem os candidatos perceber se algum membro da família tem alguma “objecção” a esta criança. Isto deve servir para garantir que esta criança tem um ambiente acolhedor à sua espera ou se, porventura, existe alguma resistência que deve ser ultrapassada.

2. Entrevistas/avaliações

As entrevistas vão sendo agendadas em acordo de disponibilidades entre as partes. Estes momentos são sempre momentos de ansiedade e nervosismo, normalmente atenuados pelo “à vontade” da equipa de adopção que, com a sua experiência, consegue eliminar alguns factores de “stress” para os candidatos. As conversas e os testes têm objectivos específicos. Os candidatos são levados a considerar diferentes factores/condições/características da adopção e das crianças que podem vir a ser os seus filhos. É normal as pessoas idealizarem a criança que gostariam de ter por filho, e aqui usa-se “idealizar” como diz no dicionário: “dar carácter ideal a; criar na imaginação; fantasiar; conceber; criar; projectar” (in www.infopedia.pt). A equipa de adopção encarrega-se, nesta fase, de desconstruir esta imagem de filho no sentido de perceber quais as limitações que uma pessoa/casal poderia ter na aceitação de uma criança. É “muito bonito” dizer que se quer adoptar porque “se quer ser pai/mãe” ou que há tantas crianças “sem pais”, mas é preciso ter consciência que o ser humano tem limites e que há realidades/características que não conhece ou com as quais nunca lidou e que, portanto, poder vir a haver dificuldades na integração de uma criança que reúna determinadas características. É preciso ter presente que se vai “incorporar” uma pessoa numa vivência diferente daquela que ela teve até ao momento e que se deve conseguir “aceitá-la como ela é”, verdadeiramente. A equipa de adopção estudará todas estas vertentes e porá à consideração dos candidatos uma série de informações que obrigam a uma reflexão e que serão úteis aos candidatos aquando tomada de decisão quanto à criança que é proposta.

3. Espera e expectativas

A espera existe, é muito real, e é tanto maior a ansiedade quanto “maior” for o desejo de ser pai/mãe. As expectativas da pessoa/casal vão sendo atenuadas, durante o período da candidatura, pelos encontros com a equipa de adopção e os encontros conjuntos promovidos para esclarecimentos. A informação transmitida vai no sentido da clarificação de expectativas e dúvidas existentes na pessoa/casal candidato. Durante o tempo de espera é natural que a pessoa/casal vá formando ou “apurando” a sua “criança ideal”, considerando que está “prestes” a ser pai/mãe. A idealização da criança passa pelas características físicas ou sócio-psiquicas da mesma ou por algo tão simples como o seu nome próprio. Se umas não se consegue “controlar”, o nome é algo que se acha possível controlar. Pode haver alteração do nome da criança, sim, mas em circunstâncias específicas. Cada caso é um caso. A equipa de adopção sugere que o nome próprio da criança não seja alterado se já há uma identificação desta ao nome, ou seja, se ela já se reconhece pelo nome. Assim, há que considerar que deve haver uma aceitação deste “factor” tal como ele nos é apresentado. A adopção é um processo de auto conhecimento para os candidatos, no sentido em que devem ser transparentes a todos os níveis, buscando o bem de todos, sobretudo o da criança. As reflexões propostas e sugestões dadas pela equipa de adopção tem por finalidade a “melhor vivência” deste processo para os pais e a melhor solução “de vida” para a criança. A equipa de adopção sugere aos pais que não preparem o quarto com muita antecedência, para não comprar muitas roupas, para não terem tudo “pronto” muito cedo, uma vez que não se sabe quanto tempo pode durar a espera e qual será a criança. É de ter presente que uma criança poderá, por exemplo, chuchar no dedo ou não beber por biberão. Se os pais compraram estas coisas vai haver frustração associada à “idealização” da criança e logo no início da sua “integração/incorporação” .

4. Telefonema e decisão

Depois de um tempo, nunca definível à partida, acontece aquele tão desejado momento em que a pessoa/casal recebe “o telefonema”. “Temos uma criança para vos propor.”. Alegria, emoção, ansiedade, medo, tudo acontece. É agendado um encontro para “apresentação” da criança. Como já se referiu, esta apresentação é feita em papel, por via de um conjunto de relatórios e de alguma informação que a equipa considera pertinente dar aos potenciais pais, podendo optar-se por ver fotografias da criança. A partir daqui é tudo muito rápido para que não haja um “prolongamento” da estadia da criança na instituição. A pessoa/casal leva esta informação toda para casa e tem 2 ou 3 dias para decidir se quer este filho ou não. Existe alguma pressão de forma a que a integração da criança na família seja feita o mais rapidamente possível. Durante estes 2 ou 3 dias é proporcionado à pessoa/casal o acesso (opcional) a todos os técnicos que lidaram/lidam com a criança no sentido de esclarecer quaisquer dúvidas que possam ter relativamente à criança, como características, personalidade, temperamento ou desenvolvimento. Se for agendada alguma reunião, esta é acompanhada por, pelo menos, um dos elementos da equipa de adopção.

5. Dias que precedem a integração

Depois de “aceite” a criança, que ainda não se conhece pessoalmente, e nos dias que precedem a integração, é pedido aos futuros pais que façam um “álbum de família” que tenha fotografias do pai e da mãe e, caso haja, dos irmãos ou de outros membros do agregado familiar que vivam na casa onde a criança vai viver. Não esquecer os bichos de estimação e o quarto. Estes são aqueles dias “malucos” de uma “gravidez” muito breve que chegou a termo e em que é preciso preparar a família, os irmãos (dependendo da idade destes), os avós, a família, o quarto, os transportes (a cadeira do carro ou o carrinho de passeio) ou as roupas. Se até agora os pais não conheciam a criança, neste momento é preciso “arrumar” as coisas e a vida para a receber, estando totalmente disponíveis para ela. Preparem-se os futuros pais para tirar férias de repente, isto é uma “reviravolta” que requer a sua total atenção. Eles vão ter que aprender muitas coisas novas muito rapidamente e, sobretudo, preparem-se para estar “abertos” a esta pessoa que vai entrar na sua vida.

6. Integração

Este tempo é dedicado ao seu filho. É agendado o dia da primeira visita à instituição onde a criança está. As visitas são sempre acompanhadas pela equipa de adopção e pela educadora que teve a criança a seu cargo na instituição. Esta equipa vai avaliar as primeiras reacções, a forma de inter-relacionamento e o impacto do processo de “conhecimento” na criança e nos pais. Com base nestas, vai decidir quando é que a criança vai para casa. O primeiro dia é passado exclusivamente com os pais, na instituição, com a equipa presente, de forma a que a criança não perca as suas referências. É disponibilizado um espaço para que possam “dar os primeiros passos” sozinhos, sendo que há a presença da educadora. É proposto aos pais que tomem parte nas rotinas da criança. No 2º e/ou 3º dias este processo repete-se, sendo que, se há irmãos, eles “aparecem” na tarde do 2º ou 3º dia para conhecer “o/a irmão/irmã”. Este processo pode repetir-se mais dias, dependendo do “correr da coisa” e da avaliação da equipa. Num dos dias da integração, podendo ser o último, os pais e os irmãos vão buscar a criança à instituição, com a educadora, e vão passar o dia em casa. A presença da educadora serve para que a criança não perca as suas referências, uma vez que esta pessoa está lá para garantir o bem estar da criança e da família.

7. Período de pré-adopção e licença de parentalidade por adopção

Estes dois períodos são vividos em simultaneidade. A licença de parentalidade por adopção começa no primeiro dia em que a criança é confiada à pessoa/casal adoptante. Durante o gozo desta licença são agendadas visitas da equipa de adopção para que eles possam acompanhar a integração da criança. Dependendo da forma como a pessoa/pais e criança(s) vivam esta experiência, assim decorrerão estes encontros. A equipa de adopção visita a instituição de ensino que a criança frequenta, depois desta ser integrada na “escolinha”, no sentido de aferir o processo de integração, o desenvolvimento da criança e as relações/interacções com o meio e com outros cuidadores. Também aqui a equipa de adopção vai buscar informações sobre o processo de integração, uma vez que estes outros cuidadores também são observadores da integração da criança.

8. Audiência

A audiência, como se referiu, é feita no gabinete do/a juiz/a, em privado, ou seja, as pessoas convocadas (a mãe/o pai ou os pais e as testemunhas) são chamadas e ouvidas individualmente. As perguntas feitas são relacionadas com a criança e com a família. O/A juiz/a pode querer saber das condições de habitabilidade da casa que a criança agora habita, da estabilidade profissional dos pais, das razões/motivações da adopção, do (bem) estar da criança no seio familiar/de amigos, da sua relação com a pessoa/casal adoptante, do viver quotidiano, da relação com irmãos. Coisas “normais”, dir-se-ia. As perguntas podem ser feitas de forma directa ou indirecta, e poder-se-à não “estar à espera” da pergunta ou daquela forma de perguntar, mas não há nada como a verdade/frontalidade e a transparência.

9. A família nova

A “aceitação”ou ”não aceitação” desta criança pela família depende em grande escala da forma como é vivida a experiência de adopção pelos pais e irmãos. Uma vez integrada, o normal é que toda a família queira conhecer a criança. Mas, ao contrário de uma criança que nasce no seio da família, esta criança vem de uma realidade diferente, tem uma história, uma experiência, uma personalidade, referências. Deve-se considerar as sugestões que a equipa de adopção faz no sentido de “proteger” a criança durante os primeiros tempos, mas o natural será que ao fim de um tempo “não se resista mais”. O filho é um filho “novo” que se quer apresentar à família toda e aos amigos e aos filhos dos amigos e aos conhecidos e a toda a gente. A forma como se vai fazer isto depende daquilo que seja a opção da pessoa/casal adoptante em termos de história da criança, ou seja, se lhe vão contar a história da vida dela ou não. Havendo reacções menos “integradoras” por parte de algum membro da família, os pais terão que estar dispostos a “resolver o assunto” para que o ambiente familiar seja, efectivamente, acolhedor.

10. A casa nova

A casa nova existe a partir do momento em que a pessoa/casal adoptante começam a preparar-se para receber o seu filho. A equipa de adopção sugere que não se comece a preparar o quarto da(s) criança(s) muito cedo no processo, porque pode levar algum tempo e este tempo ser “prolongado” pelo facto de “ter tudo pronto” e a criança “nunca mais chegar”. Uma adopção é uma gravidez com termo incerto. Uma vez que as coisas estão preparadas para receber a criança, é preciso, mais uma vez, ter presente que esta criança traz uma vida com ela, curta ou longa, e que se deve estar aberto a possíveis adaptações. Como todas as crianças esta terá os seus ritmos de desenvolvimento e de aprendizagem. Não vale a pena comprar biberões se a criança já bebe pelo copo. Não vale a pena comprar uma cama de grades se a criança já dorme numa cama “de crescido”. Poderá haver uma tendência a querer “cortar os laços” com a “vida anterior” de uma forma radical, mas é preciso observar a criança e estar atento às suas características. Vale a pena manter a identidade da casa, uma vez que a criança vai aprender a viver nela e dispor as coisas da criança de forma a não perder essa identidade. Esta casa vai passar a ser a da criança e ela deve sentir-se “em casa”.

11. A escola nova

No momento em que este filho entra na vida da pessoa/casal adoptante é preciso “encontrar” uma instituição de ensino, adaptada ao nível de escolaridade da criança. A situação pode ser complicada porque não se sabe a idade da criança nem a data de integração e, por isso, não se pode inscreve-la antecipadamente. As creches, infantários e escolas são sensíveis ao argumento “adopção”, mas muitas vezes estão (super) lotadas e não conseguem (mesmo) integrar uma criança com determinada idade numa época do ano escolar em que, por exemplo, já passou o período de inscrição e que já têm tudo em funcionamento e em que já está tudo “reservado” para o ano seguinte. Poder-se-à ter que optar ou recorrer a uma situação de “passagem”, que não é a ideal mas que não compromete o desenvolvimento da criança e permite à pessoa/casal adoptante procurar uma solução com a qual se sinta confortável.

12. Hábitos, cheiros, mimos e carinhos

Esta criança não “nasceu” connosco e traz hábitos diferentes daqueles que são os nossos. Pode ser difícil pegar na criança ao colo, dar-lhe um biberão, aconchegá-la para dormir ou “apertá-la”, mandá-la ao ar, brincar com determinados jogos, trocar-lhe a fralda ou colocá-la no penico. Talvez a “coisa” mais estranha seja o “cheiro”. A vida, a casa, as pessoas têm cheiros de que (normalmente) não se apercebem até que há um cheiro “estranho”. Esta criança tem um cheiro “estranho” e é “incorporada” num cheiro que lhe é, certamente, “estranho”. Pode levar algum tempo a “entranhar” as características, as formas de estar e de se relacionar da criança, ou o seu cheiro, sendo importante deixar espaço e tempo para se “ajustarem” uns aos outros. Não esperem os pais sentirem-se imediatamente “apaixonados” pela sua criança, muito embora possam estar “apaixonados” pelo facto de serem pais (com razão!). Esta criança pode fazer birras, não dormir de noite, desobedecer, gritar no restaurante, enfim, fazer aquilo que todas as crianças fazem e que obriga os pais a delinear estratégias de “combate” para estes “males”.

13. Em jeito de sugestão

Deixam-se aqui três “notas de pé-de-página” que têm o seu fundamento na vivência de uma experiência de adopção que “correu muito bem”. Não se pretende moralizar, nem dar conselhos, cada um fará as suas opções sobre a educação dos seus filhos. No entanto, existe a percepção de que viver a parentalidade de uma criança adoptada duma forma confortável e saudável é, acima de tudo, estar aberto à experiência. Ser coerente e consistente (individualmente e/ou em conjunto) para com as crianças, mais do que permissivo ou benevolente, ajuda-las-à a criar, em primeira instância e independentemente dos “valores” que lhe vão ser transmitidos, as noções de “pais” e “família”. Aquilo que pode parecer evidente (para nós) na relação com uma criança de determinada idade ou no seu desenvolvimento e processo de aprendizagem, pode não o ser (para ela). Aquilo que vai nortear todo o “correr da coisa” é a “abertura” com que se vive o processo, sendo um elemento fundamental para a calma e a confiança que estas crianças precisam. Há muitos momentos de emoção e muitas dúvidas, mas o essencial é que estas crianças sintam que “chegaram a casa” e que têm nestas (novas) pessoas os seus pais. E mimem-nas muito!

NOTA: Os processos de adopção em Portugal estão actualmente ligeiramente diferentes do descrito neste artigo.

Consulte

Instituições Sociais vão ter "Bolsa de Oxigénio" de 150 Milhões de Euros - 19-06-2012

  • Criado em .
  • Última atualização em .
Beatriz Madeira
Caro Luís Sousa,

Um cão "faz parte da família" e deve ser apresentado como tal. Um bicho de estimação é um "elemento" do agregado familiar (muito embora não seja declarado no IRS...) e tudo o que faz parte deste agregado deve ser assumido. Devem, claro, para facilitar a entrevista com a equipa de adopção, receber a equipa com todos presentes, incluindo o cão, (a não ser, por exemplo, que algum dos elementos da equipa tenha "medo" ou alergia a cães...), mas "prendê-lo" numa divisão diferente da casa, para não haver interferências durante a conversa.

A nossa sugestão é que, independentemen te dos "conselhos" que vos dão, sejam totalmente transparentes para com esta equipa. Não "escondam" nada a estas pessoas que acompanham o vosso processo. Se o fizerem estarão a "deturpar" a vossa existência enquanto "família" e a vossa pretensão e podem vir a acolher uma criança que, por terem "deturpado" as informações, não corresponda àquilo que pretendem. Imagine apenas que esconde o facto de ter um cão e que, por acaso, vos é atribuída uma criança com problemas alérgicos...

Fazemos votos que a vossa adopção seja feliz!

Ficamos ao dispor.
A equipa Sabias Que

Luis Sousa
33
Bom dia,vou ter a primeira visita da equipa de adpoção e como é tudo novo para mim gostaria de saber se existe algum problema ou entrave de ter um cachorro em casa como animal de estimação uma vez que já me aconselharam a não o ter presente em casa aquando da visita da equipa.