Certamente já deve ter ouvido comentários do tipo “a minha filha foi uma bebé muito precoce, começou a sentar-se aos 4 meses e aos 10 meses começou a andar” e nalgumas situações pode até ter ouvido em seguida algo do género “olha que a minha filha aos 3 meses já se sentava e aos 9 meses já ninguém a segurava”. E há situações em que lhe pode ter sido dirigida a derradeira pergunta “e o teu?”.
De repente, parece que só o nosso filho não faz uma série de coisas que ao que parece devia fazer, a avaliar pelo meio mundo que o rodeia. Ora porque o filho da nossa amiga já anda com menos de 10 meses, ora porque a neta da vizinha começou a sentar-se aos 3 meses ou até mesmo porque a filha da nossa colega já canta o hino nacional de trás para a frente com 9 meses. Todos sabemos que os pais gostam de partilhar orgulhosamente as conquistas e os progressos dos seus filhos e de ouvir reconhecimentos acerca dos mesmos. É comum e faz parte da parentalidade.
Contudo, quando se tratam de comentários comparativos e de perguntas com um julgamento implícito, surgem os pais que são naturalmente preocupados e que ficam alarmados e, por outro lado, os pais que até eram descontraídos mas que passam a ficar alarmados também. Nestas ocasiões, é quando começam a surgir os pensamentos de que o nosso filho pode ter algum problema.
Na minha prática clínica e mesmo no círculo de amizades, são muitos os pais que me perguntam “será que o desenvolvimento do meu filho é normal?”. Este tipo de dúvidas e incertezas tendem a agravar-se quando os pais pesquisam na Internet ou em livros e deparam-se com um conjunto de etapas de desenvolvimento que deverão atingir para serem enquadrados na tão comummente dita “normalidade”. E mais, as inseguranças acerca do desenvolvimento da criança podem aumentar se os pais tiverem conhecimento de alguém que tem um filho com uma perturbação do desenvolvimento.
Nalguns casos, a criança pode mesmo ter algum problema no seu desenvolvimento, mas na grande maioria das vezes estas preocupações não correspondem a qualquer tipo de problema. Por outro lado, os pais ouvem muito que “toda a criança tem o seu tempo”, o que pode ser positivo ou negativo se esta afirmação não estiver associada a um esclarecimento adicional.
Poderá parecer-lhes contraditório o respeito pelo ritmo de desenvolvimento da criança quando percebem que existem etapas que a criança deverá atingir numa determinada idade. A falta de informação adicional perante este tema gera muitas vezes o receio de que a criança possa ter de facto um problema e que este seja detectado numa altura tardia e pouco propícia à evolução da criança.
Assim, “como é que eu sei se é apenas uma questão de tempo ou se a criança pode mesmo ter um problema?”, perguntam os leitores.
Em primeiro lugar, é importante clarificar que a idade esperada para que uma criança adquira uma determinada competência trata-se da média de um conjunto de várias crianças, correspondendo a um intervalo, sendo que a criança poderá fazer a tarefa em questão antes ou depois da idade referida, sem que isso seja significado de algum problema.
Em segundo lugar, o desenvolvimento processa-se por etapas, sabendo-se que numa primeira fase a criança descobre a boca, depois as mãos e posteriormente os pés. Cada etapa poderá demorar mais ou menos tempo, de acordo com a criança, pelo que nem todas as crianças da mesma idade estarão na mesma fase de desenvolvimento. Algumas crianças evoluem gradualmente em várias áreas, enquanto outras dedicam-se a uma de cada vez. Este processo está dependente de uma maturação biológica e psicológica e neste sentido, será contraproducente forçar a criança a saltar etapas para as quais poderá ainda não estar preparada, correndo o risco de atrasar o seu desenvolvimento.
A idade para a criança começar a andar é um dos exemplos mais comuns. Os referenciais dizem que a criança deverá andar com 1 ano de idade. Mas existem crianças que começam a andar com 10 meses mas que não pronunciam uma palavra até aos 2 anos, assim como outras crianças começam a falar precocemente, começando a dar os primeiros passos mais tarde, sem que alguma delas tenha algum problema no seu desenvolvimento.
Para além dos aspectos referidos anteriormente, esta diversidade de situações poderá depender de vários outros factores, como a motivação e a necessidade da criança adquirir uma determinada competência, alguma frustração perante por exemplo uma queda recente que a possa ter inibido, as circunstâncias como o cansaço, calor, fome, sono ou simplesmente não lhe apetecer naquele momento. Existem ainda estudos que apontam para as diferenças entre o desenvolvimento de uma rapariga e de um rapaz, sendo que as raparigas são geralmente mais precoces no gatinhar e no andar, assim como nas primeiras palavras.
No entanto, tendo em mente que toda a criança terá o seu tempo, de modo algum se deve negar a possibilidade de existirem problemas, pelo que é importante estar atento aos sinais de alarme, já que permitirão uma sinalização precoce. No que toca ao desenvolvimento infantil os sinais de alarme deverão ser vistos numa perspectiva global, isto é, será provável que a criança tenha um problema se não andar, não falar e já tiver revelado atraso outros parâmetros.
O referencial das idades médias esperadas para que uma criança adquira uma determinada competência mostra-se útil na verificação da existência de um afastamento da idade esperada e, mais importante, em vários parâmetros. Nesta situação, os pais deverão expôr as suas dúvidas ao médico pediatra ou de família para que a criança possa ser avaliada e encaminhada se se verificar a necessidade.
Actualmente existem intervenções específicas para estimular o desenvolvimento do bebé e da criança, que se caracterizam por um trabalho de equipa que gira sobretudo em torno das necessidades da família, envolvendo-a e capacitando-a ao máximo em termos de estratégias. Neste tipo de intervenção, é também enfatizado o contexto natural onde a criança se insere na maior parte do tempo, seja na creche, jardim-de-infância ou mesmo no próprio domicílio. Com a estimulação adequada e após algum tempo de intervenção em conjunto com a família, nalguns casos é possível a criança atingir o desenvolvimento esperado para a sua faixa etária, dependendo da problemática em questão.
Acima de tudo, o mais importante será não entrar em comparações, pois cada criança é única e incomparável. Respeitar o ritmo do bebé e da criança, oferecer-lhe oportunidades de experienciar e de explorar o mundo num ambiente seguro, mas nunca num ambiente sobreprotegido é altamente aconselhável. Com paciência, poderá aplaudir cada pequeno progresso do seu filho.
Cristina Reis
Psicóloga Clinica da Horas de Sonho, apoio à criança e à familia
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