Contribuição de Sustentabilidade - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014 - B. Enquadramento do objeto do pedido no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014

Processo n 819 2014

Plenário Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

(Conselheira Maria Lúcia Amaral)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

B. Enquadramento do objeto do pedido no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII

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As normas objeto de fiscalização são relativas a duas das medidas estabelecidas pelo Decreto n.º 262/XII: tanto as normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º como as normas constantes dos n.os 1 a 5 do artigo 4.º dizem respeito à medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade; por sua vez, as normas constantes dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º referem -se à medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente.

No que se refere ao primeiro grupo de normas, o alcance prescritivo das mesmas só é determinável no quadro do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do Decreto n.º 262/XII). Porque assim é, começamos pela caracterização do regime normativo da contribuição de sustentabilidade (cf., infra 8 a 13), de seguida, procedemos à análise do segundo grupo de normas, as quais se referem à medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente (cf., infra 13 a 15) e, uma vez examinadas, em separado, as normas relativas a cada uma das medidas, passaremos ao enquadramento de cada uma delas no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII (cf., infra 16 -17).

A medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade

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Através da norma constante do artigo 1.º do Decreto n.º 262/XII é criada a contribuição de sustentabilidade e o primeiro aspeto a dilucidar é a delimitação do respetivo âmbito de aplicação.

Nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º, a contribuição de sustentabilidade incide sobre todas as pensões pagas por um sistema público de proteção social a um único titular independentemente do fundamento subjacente à sua concessão, entendendo -se como tal, para além das pensões pagas ao abrigo dos diferentes regimes públicos de proteção social, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a pensionistas, aposentados ou reformados no âmbito de regimes complementares, independentemente da sua designação, nomeadamente, pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, bem como as prestações vitalícias devidas por força de cessação de atividade.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, para a determinação do valor da pensão mensal, considera -se o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º, ou seja, o Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I. P., no quadro do sistema previdencial da Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações, I. P., e a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Do teor dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º decorre que são abrangidas pensões pagas por um sistema público de proteção social, ou seja:

a) pensões do sistema previdencial, o qual, nos termos do disposto no artigo 53.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (alterada pela Lei n.º 83 -A/2013, de 30 de dezembro), que aprova as bases gerais do sistema de Segurança Social, abrange o regime geral de Segurança Social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º desse diploma legal;

b) pensões do regime de proteção social convergente (Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, alterada pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março);

c) pensões do regime público de capitalização do sistema complementar (artigo 82.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e Decreto -Lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro);

d) pensões do regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) (Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, e alterado pelas Portarias n.os 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22.665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 188, de 28 de setembro de 2007).

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Atendendo à amplitude da formulação do n.º 1 do artigo 2.º, bem como do corpo do n.º 2 desse mesmo preceito, poder -se -ia questionar se seriam ainda abrangidas pensões do subsistema de solidariedade do sistema de proteção social de cidadania da Segurança Social, o qual, nos termos do disposto no artigo 39.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, abrange o regime não contributivo, o regime especial de Segurança Social das atividades agrícolas e os regimes transitórios ou outros formalmente equiparados a não contributivos.

Porém, tendo em conta o inciso final da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º («[...] no quadro do sistema previdencial da segurança social»), pode concluir -se que, no que respeita ao sistema de Segurança Social, apenas são abrangidas pensões do sistema previdencial. Essa interpretação é ainda confirmada pelo teor da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, na parte em que caracteriza o sistema público de pensões português como sendo composto «[...] pelo sistema previdencial e pelo regime de proteção social convergente, abrangendo ainda o regime gerido pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores» (DAR II, Série -A n.º 130/XII/3, de 16 de junho de 2014, pág. 37). Embora se trate de uma caracterização imprecisa, ela deixa claro que se não visou incluir no âmbito da contribuição de sustentabilidade pensões do subsistema de solidariedade do sistema de proteção social de cidadania da Segurança Social.

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Com esta precisão, apenas ficam incluídas no âmbito aplicativo da norma do artigo 2.º prestações processadas e postas a pagamento por três entidades públicas (aqui incluindo, dada a sua natureza de pessoa coletiva de direito público, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores). Desde logo, estão excluídas prestações processadas e postas a pagamento por quaisquer outras entidades públicas. Além disso, estão ainda excluídas prestações pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, como são os casos, por exemplo, das instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões, ou das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões. Tal significa que, na medida em que, além das prestações a cargo do designado primeiro pilar, engloba apenas prestações do regime público de capitalização, a medida de contribuição de sustentabilidade não abrange de forma integral o designado segundo pilar do sistema de Segurança Social, nomeadamente as prestações associadas a planos de pensões criados por regimes previdenciais de natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva (cf. artigos 81.º, n.º 1, e 83.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

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Em ordem a delimitar rigorosamente o âmbito de aplicação da contribuição de sustentabilidade, importa ainda conjugar o disposto no artigo 2.º com o disposto no artigo 3.º do Decreto n.º 262/XII, o qual vem afastar do âmbito de aplicação da medida certas prestações que, de outro modo, seriam abrangidas pelo disposto no artigo 2.º

Nos termos desse artigo 3.º, ficam excluídas as seguintes prestações:

a) Indemnizações compensatórias correspondentes atribuídas aos deficientes militares, abrangidos pelo Decreto- -Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos- -Leis n.os 93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.os 46/99, de 16 de junho, e 26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto -Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos -Leis n.os 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo Decreto -Lei n.º 250/99, de 7 de julho;

b) Pensões indemnizatórias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro;

c) Pensões de preço de sangue auferidas ao abrigo do Decreto -Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 161/2001, de 22 de maio;

d) Pensões dos deficientes militares transmitidas ao cônjuge sobrevivo ou membro sobrevivo de união de facto, que seguem o regime das pensões de sobrevivência auferidas ao abrigo do artigo 8.º do Decreto -Lei n.º 240/98, de 7 de agosto;

e) Rendas vitalícias, resgates e transferências pagas no âmbito do Decreto -Lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro;

f) Pensões relativas a grupos fechados de beneficiários cujos encargos são suportados através de provisões transferidas para os sistemas públicos de pensões, bem como as pensões e subvenções automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo.

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É sobre o valor das pensões mensais definidas no artigo 2.º do Decreto n.º 262/XII, com a delimitação já efetuada, que vai incidir a contribuição de sustentabilidade (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 262/XII), sendo que, para a determinação do valor da pensão mensal, considera -se o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º (artigo 4.º, n.º 2, do Decreto n.º 262/XII).

A taxa efetiva é de 2 % para pensões até € 2000; de 2 % a 3,5 % para pensões entre € 2000 e € 3500 (2 % sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente até € 3 500), e de 3,5 % para pensões acima de € 3500.

Desde logo, importa observar que, conjugando o teor da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º, segundo o qual se encontram sujeitas a uma taxa de 2 % a totalidade das pensões de valor mensal até € 2 000, com o disposto no n.º 4 desse preceito, não é claro como se operacionaliza tecnicamente a cláusula de salvaguarda, nos termos da qual se garante que da aplicação da contribuição de sustentabilidade o beneficiário que aufira uma pensão superior a € 1000 não vê a sua pensão ser reduzida para baixo desse limiar. Faz -se referência à atribuição de um diferencial compensatório [artigo 4.º, n.º 4, alínea a)] ou de um complemento social [artigo 4.º, n.º 4, alínea b)], não estando, no entanto, esses instrumentos normativamente caracterizados nem no Decreto n.º 262/XII nem por remissão para outros diplomas legais. Não obstante a referida indeterminação sobre o modus operandi da cláusula de salvaguarda, tal não obsta a que se retire do regime legal a fixação de um limiar mínimo inultrapassável, por referência ao montante de € 1000, por efeito da aplicação da contribuição de sustentabilidade.

O que parece certo é que se está perante uma cláusula de salvaguarda e não perante um limiar mínimo de isenção ou, na terminologia da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, um «patamar de isenção ». E isso poderá explicar -se por estar em causa uma taxa que, de acordo com o regime estabelecido no artigo 4.º, incide sobre o valor total das pensões auferidas, e não apenas sobre o montante da pensão que exceda o valor de € 1000.

Independentemente desse aspeto, e recapitulando, a taxa efetiva é de 2 % para pensões até € 2000; de 2 % a 3,5 % para pensões entre € 2000 e € 3500 (2 % sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente até € 3 500), e de 3,5 % para pensões acima de € 3500. Tal significa que o escalão superior é de € 3500, a partir do qual se aplica uma taxa fixa de 3,5 %. A este respeito, importa considerar que, segundo a «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, cumulativamente à contribuição de sustentabilidade, prevê -se que às pensões superiores a € 3500 venham ainda a ser aplicadas contribuições de 15 % sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do indexante aos apoios sociais (IAS) mas que não ultrapasse 17 vezes aquele valor, e de 40 % sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS. Trata -se, porém, de uma sobretaxa que, eventualmente, será regulada em diploma autónomo e que, supostamente, apenas vigorará integralmente em 2015, uma vez que se propõe a redução das referidas taxas em 50 % no ano de 2016 e a sua extinção no ano de 2017.

Ainda sobre os limites, inferior e superior, da pensão sobre os quais incide a contribuição de sustentabilidade, bem como sobre o grau de progressividade da taxa efetiva aplicável, importa fazer uma última observação.

Na apresentação da Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem do Decreto n.º 262/XII, a Ministra de Estado e das Finanças afirmou que «[...] cerca de 95 % dos pensionistas da Segurança Social ficam isentos e, no conjunto dos sistemas, ficam totalmente isentos de qualquer contribuição mais de 87 % dos pensionistas» (DAR, 1.ª série, n.º 101/XII/3, de 27 de junho de 2014, pág. 36).

De acordo com o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental: 2014 -2018, emitido em 21 de maio de 2014, pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, «[o] impacto decorrente da substituição da CES pela Contribuição de Sustentabilidade é positivo para todos os pensionistas, sendo as pensões mensais entre € 3750 e € 4611,42 as mais beneficiadas em termos relativos. Quando comparada com a CES, a contribuição de sustentabilidade tem subjacente um desagravamento da taxa efetiva para todas as pensões [...] sobre as quais incide. O desagravamento das taxas efetivas é superior para as pensões situadas no intervalo entre € 3750 e € 4611,42 (11 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais), e que decorre da diminuição da taxa efetiva de 10 % para 3,5 %, o que representa uma redução de 65 % no montante de contribuição paga pelo CES [...]. Relativamente às pensões brutas entre € 1000 e € 1800, a redução do montante é de 42,9 % (e resulta da passagem de uma taxa de 3,5 para 2,0 %)».

Mesmo não se tratando aqui ainda da apreciação da constitucionalidade da medida (cf., infra, Parte C.), importa desde já observar que, sem prejuízo de, no plano da política legislativa, ser legítimo que se apresente o impacto da medida ora em apreciação por referência a e em comparação com outras medidas com as quais, porventura, a primeira apresente afinidades, a verdade é que, no plano do Direito, a afetação de posições jurídicas subjetivas pela medida da contribuição de sustentabilidade — correspondendo ao impacto da medida — só pode aferir -se atendendo ao conteúdo das posições jurídicas afetadas.

Não tem assim cabimento a consideração segundo a qual as pessoas afetadas pela contribuição de sustentabilidade ficam todas numa situação melhor do que aquela em que se encontravam na vigência da chamada contribuição extraordinária de solidariedade (CES). É que a CES, dado o seu caráter transitório — o que, entre outros aspetos, implicava a necessidade da sua renovação em cada lei orçamental — jamais produziu qualquer efeito jurídico modelador do conteúdo das posições jurídicas subjetivas relativas a prestações do sistema público de Segurança Social sobre as quais incidia. O conteúdo dessas posições jurídicas manteve -se, pois, nos termos da própria lei, inalterado.

Face ao que foi dito, no plano estritamente jurídico, é inequívoco que a contribuição de sustentabilidade vem afetar negativamente, com caráter duradouro, posições jurídicas de que são titulares os atuais beneficiários do sistema público de Segurança Social. Com efeito, conforme decorre do âmbito de aplicação da medida e dos demais aspetos do seu regime jurídico, estamos perante uma decisão, com caráter duradouro, de redução da despesa com prestações sociais — pensões e equivalente — a cargo de determinadas entidades públicas que integram o sistema público de pensões.

Não obstante o nomen juris — «contribuição» — poder sugerir que se estaria perante uma medida do lado da receita, o que se verifica é que, em rigor, a mesma consubstancia uma redução do valor nominal da pensão. Tal qualificação decorre, além do âmbito de aplicação da medida, do próprio regime relativo ao modo de processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação, porquanto opera através da dedução ao valor da pensão do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade, determinado por aplicação da taxa sobre aquela, competindo à respetiva entidade processadora efetuar essa operação (cf. n.os 1 e 2 do artigo 5.º do Decreto n.º 262/XII).

Assim, é de rejeitar a interpretação defendida pelo Governo (pág. 49 da «Nota Técnica»), segundo a qual «[a] medida da Contribuição de Sustentabilidade assume a natureza de uma contribuição para a Segurança Social, nos mesmos termos em que esta noção foi aplicada e desenvolvida pelo TC tanto no Acórdão n.º 187/2013 como no Acórdão n.º 862/2013 relativamente à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), tal como configurada na Lei do Orçamento do Estado para 2013. Trata -se de uma contribuição exigida aos atuais beneficiários das pensões a pagamento, o que é coerente com a permissão geral de o financiamento dos sistemas públicos poder ser feito também através da participação dos próprios titulares (cf. Acórdão n.º 187/2013)».

É certo que no Acórdão n.º 187/2013, embora considerando que a incidência, em geral, de uma obrigação contributiva sobre os próprios beneficiários ativos representaria um desvio ao funcionamento do sistema — na medida em que introduz uma nova modalidade de financiamento da Segurança Social que abarca os próprios beneficiários das prestações sociais, pondo em causa, de algum modo, o princípio da contributividade (artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) — o Tribunal não deixou de entender que a circunstância de o sistema previdencial assentar fundamentalmente no autofinanciamento, através das quotizações dos trabalhadores e das contribuições das entidades empregadoras, não obstaria a que se pudesse recorrer a outras fontes de financiamento, incluindo outras receitas fiscais legalmente previstas, como decorre do artigo 92.º da Lei n.º 4/2007.

Simplesmente, nesse aresto estava em causa uma medida que, além de incidir sobre prestações relativas ao sistema público de pensões, incidia globalmente sobre prestações privadas de proteção social, exteriores ao sistema público de Segurança Social, sendo esse aspeto do regime, relativo ao âmbito de aplicação da medida, determinante para o entendimento segundo o qual se não estava aí perante uma simples redução do valor da pensão.

Ora, no que respeita à medida de contribuição de sustentabilidade, como já se disse, relevantes aspetos do seu regime jurídico, como sejam o seu âmbito de aplicação (determinadas entidades públicas que integram o sistema público de pensões) ou o modo de processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação (dedução do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade) sugerem que se está antes perante uma verdadeira redução do valor da pensão.

Além disso, e fundamentalmente, não é sustentável o entendimento segundo o qual se está perante uma medida que consubstancia o recurso a uma outra fonte de financiamento do sistema da Segurança Social, porquanto inexiste qualquer transferência de meios de fora para dentro do sistema público de pensões. Do que se trata é de uma medida interna ao sistema público de pensões que, cortando na despesa, visa repor o equilíbrio do saldo de cada regime por ela abrangido.

A medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente

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Integram ainda o objeto do pedido de fiscalização de constitucionalidade as normas constantes dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º

A norma constante do n.º 1 desse preceito legal determina que o Governo em articulação com os parceiros sociais deve proceder à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, tendo por base indicadores de natureza económica, demográfica e de financiamento das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, indicadores esses que, a título exemplificativo, vêm enunciados nas alíneas a) a e) dessa mesma disposição e que são os seguintes: «o crescimento real do produto interno bruto»; «a variação média anual do índice de preços no consumidor, sem habitação»; «a evolução da população em idade ativa e dos beneficiários»; «a evolução da população idosa e dos reformados e pensionistas» e, por último, «outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões».

A norma constante do n.º 2 do artigo 6.º estabelece uma salvaguarda no sentido de assegurar que da aplicação das regras de atualização anual das pensões não pode resultar uma redução do valor nominal das pensões. No n.º 3 prevê -se que a atualização das pensões seja feita na base de uma espécie de conta corrente, nos termos da qual, conforme já decorre do n.º 2 desse preceito legal, embora da aplicação das regras de atualização anual das pensões não possa resultar uma redução do valor nominal das pensões, a evolução negativa da pensão verificada no ano n é descontada de uma eventual atualização positiva que venha a ocorrer no ano n+1.

Por último, o n.º 4 vem esclarecer que as pensões mínimas e as pensões e outras prestações do subsistema de solidariedade e do regime de proteção social convergente de natureza não contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualização que garantam adequados meios de subsistência.

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Relativamente a esta medida coloca -se, no entanto, uma questão prévia relativa à própria apreciação da conformidade constitucional.

Independentemente da questão de saber se a medida se encontra diretamente associada à contribuição de sustentabilidade ou constitui um mecanismo autónomo de caráter geral atinente à atualização de pensões, o certo é que o pedido não é suficientemente explícito quanto às razões por que se justifica a apreciação da sua conformidade constitucional em fiscalização preventiva.

O pedido considera que as normas em causa — incluindo as faladas disposições do artigo 6.º — «são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2.º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os 353/2012, 187/2013, 862/2013 e 413/2014».

Parece assim admitir que se possam suscitar dúvidas de constitucionalidade, com base na anterior jurisprudência do Tribunal, também quanto à matéria da atualização das pensões.

Porém, nenhum desses arestos, que se pronunciaram sobre reduções remuneratórias ou ainda sobre a contribuição extraordinária de solidariedade consignadas nas leis do orçamento de Estado para 2012, 2013 e 2014, ou, no caso do acórdão n.º 862/13, sobre um mecanismo de convergência de pensões, abordou concomitantemente qualquer questão referente à atualização de pensões ou aplicou nessa perspetiva os princípios da igualdade e da proteção da confiança.

Neste condicionalismo, o Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam, com segurança, caracterizar os fundamentos do pedido, pelo que, nesta parte, dele não pode tomar conhecimento.

Enquadramento da contribuição de sustentabilidade no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII

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Nos antecedentes pontos ocupámo -nos da caracterização do regime normativo da contribuição de sustentabilidade, no pressuposto segundo o qual o sentido das normas objeto de fiscalização só é determinável no âmbito do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do Decreto n.º 262/XII).

Importa agora proceder ao enquadramento dessa medida no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII.

Nos termos da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem do Decreto n.º 262/XII, a proposta de lei, além de «enquadrada pela importância da disciplina orçamental», «dirige -se em concreto à proposta de uma solução para o desafio mais importante que se coloca ao sistema público de Segurança Social — o da sua sustentabilidade — mormente no que diz respeito aos regimes de pensões».

Dessa exposição de motivos resulta ainda que a contribuição de sustentabilidade é uma medida que deve ser perspetivada em conjunto com outras medidas estruturais, no quadro de uma reforma com vista a garantir, em observância da equidade intra e intergeracional, a sustentabilidade do sistema público de pensões.

Seria expressão dessa intencionalidade o facto de, juntamente com a contribuição de sustentabilidade, o Decreto n.º 262/XII, estender, através das alterações marginais à contribuição do trabalhador para os sistemas de previdência social (artigos 7.º e 8.º) e à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigos 10.º e 11.º), aos trabalhadores no ativo e à sociedade em geral o esforço exigido com vista a garantir a sustentabilidade do sistema público de pensões, o que poderia ser entendido como uma preocupação de assegurar a equidade intra e intergeracional, indo assim ao encontro das exigências que, em matéria de reforma do sistema público de pensões, decorrem do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013.

Deste modo, a razão de ser do regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII parece ser o de assegurar que o esforço de contribuição para a sustentabilidade do sistema público de Segurança Social seja repartido de um modo equilibrado por todos os portugueses. A par dos atuais beneficiários do sistema, a quem é exigida uma parte desse esforço através da contribuição de sustentabilidade, são também chamados a contribuir os futuros beneficiários do sistema, através do aumento das contribuições dos trabalhadores para os sistemas de previdência social, bem como a sociedade em geral, através do aumento da taxa normal do IVA.

Nesse sentido depõe o facto de tanto a receita da contribuição de sustentabilidade, como a receita do aumento da taxa contributiva, como a receita proveniente do aumento da taxa normal do IVA serem, respetivamente, afetadas, imputadas ou consignadas ao sistema público de pensões (cf. artigos 5.º, 9.º e 12.º do Decreto n.º 262/XII).

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Como foi referido, nos termos da mesma «Exposição de Motivos», além de concretamente dirigido a assegurar a sustentabilidade do sistema público de Segurança Social mormente no que diz respeito ao regime público de pensões, o regime instituído por este diploma não deixa de ser enquadrado pela importância da disciplina orçamental, pretendendo contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas, com vista a assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da participação de Portugal na União Europeia e na área do euro, bem como para a transição para o crescimento económico sustentado.

No que se refere ao cumprimento de compromissos europeus em matéria orçamental, além das obrigações da República Portuguesa decorrentes do direito da União Europeia — Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, protocolo e regulamentos que integram o quadro normativo de coordenação e governação da União Económica e Monetária — é feita referência ao Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental), assinado em Bruxelas em 2 de março de 2012, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 84/2012, em 13 de abril de 2012, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 99/2012, de 3 de julho (DAR, 1.ª série n.º 127/XII, de 3 de julho de 2012).

Ainda segundo a exposição de motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, «[e]stes compromissos europeus estabelecem, em particular, o respeito dos valores máximos de referência de 3 % do Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental e de 60 % do PIB para o rácio de dívida pública, bem como a obrigação de assegurar uma situação orçamental equilibrada ou excedentária. No período de transição para estes objetivos, o Estado Português deve ainda definir e executar uma trajetória de consolidação que assegure a convergência do saldo orçamental estrutural para o objetivo de médio prazo, sob pena de ativação de mecanismos de correção automáticos.

Os compromissos de sustentabilidade das finanças públicas estão já incorporados na Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto), através da sétima alteração a essa lei (Lei n.º 37/2013, de 14 de junho) aprovada pelos partidos do arco da governação, que de resto também confirmaram a ratificação do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária».

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