Violação do princípio da proporcionalidade
94. Admitindo que as expetativas de manutenção do montante da pensão de sobrevivência possam ter de ceder face a interesses públicos contrapostos de maior peso, resta verificar se se poderá ter como violado o princípio da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes de adequação, necessidade ou justa medida.
Como observa REIS NOVAIS, o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será suscetível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167-168).
No caso vertente, não pode deixar de reconhecer-se que a medida em causa, ao permitir diminuir no imediato a despesa com o pagamento de pensões de sobrevivência, pode contribuir para a salvaguarda, a médio e curto prazo, da sustentabilidade do sistema de pensões e das próprias finanças públicas e mostra-se ser apta para a prossecução dos fins que visa atingir.
Quanto a saber se para atingir esse objetivo, o meio efetivamente escolhido é o necessário ou exigível, tudo depende da representação de alternativas viáveis, de eficácia equivalente, em prazo idêntico, e de menor gravosidade para os direitos atingidos. Mas essa avaliação tem que conter-se no campo das opções primárias tomadas pelo legislador democraticamente legitimado, não podendo ir ao ponto de questionar a estratégia orçamental adotada como via para a atenuação do desequilíbrio das contas públicas. Como se afirmou no acórdão n.º 396/2011, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade da estratégia seguida, nem entrar no debate sobre se o reequilíbrio das contas públicas se deve fazer preferencialmente pelo lado da receita ou pelo lado da despesa, mas apenas «ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos».
Ora, no quadro de uma opção de redução da despesa pública que abranja também as prestações sociais (tendo em consideração que 75% da despesa com prestações sociais são despesas com pensões de velhice, doença e sobrevivência e a despesa em pensões é de cerca de 30 % da despesa pública), não pode afirmar-se, num critério de evidência, que a solução impugnada – visando especialmente pensões de sobrevivência - seja desnecessária ou dispensável, quando é certo que entretanto foram já implementadas medidas de redução de pensões de aposentação e de reforma, sob a forma de uma contribuição extraordinária de solidariedade, e de redução remuneratória em relação aos trabalhadores do setor público.
A questão que pode colocar-se, neste plano, é a de saber se, cumprindo-se os critérios da adequação e necessidade quanto à aplicação de um novo regime de cálculo do montante das pensões de sobrevivência, se justifica que, de entre os titulares desse direito, sejam apenas afetados os cônjuges sobrevivos e membros sobrevivos de união de facto que cumulem essa pensão com outra ou outras pensões de aposentação ou reforma. Mas essa é uma questão que, podendo ter impacto no juízo de proporcionalidade (na medida em que a extensão da medida à generalidade dos beneficiários poderia propiciar uma menor onerosidade na esfera individual), tem sobretudo a ver com a conformidade da medida com o princípio da igualdade, matéria que será objeto de apreciação num momento ulterior.
Não parece, por outro lado, que a medida possa ser considerada excessiva ou desproporcionada.
Como se deixou já exposto, o novo regime de cálculo e redução de pensões de sobrevivência implica que a taxa de formação varie entre 44% e 33%, em função valor global mensal a título de pensão, para as pensões que devam ser calculadas segundo o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a que se aplicava a taxa de 50%, e entre 53% e 39%, em função valor global mensal a título de pensão, para as pensões do regime geral da segurança social, a se aplicava a taxa de 60% ou 70%. Essas mesmas taxas de formação são aplicáveis, correspetivamente, à 1.ª parcela e à 2.ª parcela da pensão de aposentação ou reforma de contribuintes do regime de proteção social convergente que se tenham aposentado ou reformado com base no regime legal em vigor a partir de 1 de janeiro de 2006.
Opera-se nestes termos uma diminuição das taxas de formação entre 6% e 17% ou entre 7% e 21 % por referência à pensão de aposentação ou de reforma que serve de base à determinação do montante da pensão de sobrevivência ou por referência simultânea a cada das parcelas em que se decompõe o cálculo dessa pensão quando seja aplicável o regime de convergência definido pela Lei n.º 60/2005.
O impacto desta redução no rendimento mensal do titular da pensão de sobrevivência dependerá da proporção que a pensão de sobrevivência representa no seu rendimento global, uma vez que só incide sobre a pensão de sobrevivência e não sobre o valor mensal global das prestações percebidas pelo titular. E, por outro lado, o regime só se aplica a beneficiários que aufiram em cumulação com outras pensões um montante total igual ou superior a € 2 000;
Contrariamente ao que é afirmado pelos requerentes no Processo n.º 14/2014, em nenhum caso o novo regime implica a ablação total da pensão de sobrevivência. Para além disso, o legislador utiliza uma escala regressiva de modo a evitar que possa ocorrer uma redução muito acentuada da pensão de sobrevivência nas situações em que seja mais elevado o rendimento proveniente da atribuição de outras pensões.
Tudo ponderado, é de concluir que a redução não tem uma expressão tal que possa vir a colidir, de modo intolerável e demasiado opressivo, com decisões de vida que os pensionistas tenham tomado, e não acarreta uma medida de sacrifício que possa ser tida por desproporcionada ou demasiado onerosa, em face da vantagem associada aos fins de interesse público a atingir.
Nestes termos, não pode considerar-se que as normas impugnadas importem a violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º da Constituição.