60. No caso de empresas cujo capital seja participado, maioritariamente ou não, por entidades públicas – como as que são abrangidas pela previsão do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 –, há ainda que atender às especiais exigências postas pelo princípio da neutralidade competitiva dos poderes públicos. Isto vale, pelas razões anteriormente indicadas, sobretudo para as empresas públicas reclassificadas, mas atento o aludido risco de reclassificação, também não é irrelevante quanto às que (ainda) não sejam reclassificadas.
A Constituição garante a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção (artigo 80.º, alínea b)) e a liberdade de iniciativa e organização no quadro de uma economia mista (artigo 80.º, alínea c)). Por outro lado, incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral (artigo 81.º, alínea f)).
Como dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, as três formas de iniciativa são concorrenciais nas áreas em que “coabitam”, não podendo o poder público tirar proveito da sua condição e dos seus poderes públicos para criar vantagens para as suas empresas (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 958). O princípio da concorrência não exclui as empresas públicas e a ordenação constitucional da economia garante a existência de um setor público mais ou menos extenso. Todavia, a ordem constitucional económica impede que as empresas que fazem parte do setor público empresarial sejam favorecidas pelo Estado relativamente às suas concorrentes de outros setores (idem, pág. 970). Portanto, o Estado-legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do setor público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atribuam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que atuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem suscetíveis de distorcer o funcionamento do mercado.
Isso mesmo encontra-se consagrado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 (que, neste particular, não inovou substancialmente relativamente ao que dispunha o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 558/99, desde a sua redação originária):
«1 – As empresas públicas desenvolvem a sua atividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qualquer empresa privada, e estão sujeitas às regras gerais da concorrência, nacionais e de direito da União Europeia.
2 – As relações estabelecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empresas públicas detidas ou participadas processa-se em termos que assegurem a total observância das regras da concorrência, abstendo-se aquelas entidades de praticar, direta ou indiretamente, todo e qualquer ato que restrinja, falseie ou impeça a aplicação destas regras.»
Por ser assim, as empresas públicas também estão submetidas à Lei da Concorrência, tal como as empresas participadas ou as demais empresas privadas, não lhes podendo ser atribuídos auxílios públicos indevidos (artigos 2.º, 4.º, n.º 1, e 65.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio; e também, quanto às empresas locais, o artigo 34.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, e, quanto às empresas participadas, o artigo 14.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro). Isto, naturalmente, sem prejuízo de eventuais missões particulares que lhes tenham sido confiadas (artigo 4.º, n.º 2, da Lei da Concorrência). O conceito de «auxílio público» corresponde grosso modo ao de apoios, incluindo as transferências correntes e de capital, e a cedência de património público, concedidos a título de subvenção pública (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 64/2013, de 27 de agosto, que regula a obrigatoriedade de publicitação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares).
Entre tais apoios importa autonomizar as chamadas «indemnizações compensatórias», que, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 167/2008, de 26 de agosto, correspondem a pagamentos efetuados com verbas do orçamento do Estado a entidades públicas e privadas, de acordo com o regime legalmente previsto, destinados a compensar custos de exploração resultantes de serviços de interesse geral. Tais indemnizações obedecem a uma lógica de prossecução de interesse público. Quaisquer outros tipos de subsídios públicos à exploração, designadamente os que visem pura e simplesmente salvaguardar o equilíbrio financeiro das empresas, só podem eventualmente ser justificados em termos do princípio da concorrência desde que obedeçam a idêntica lógica de interesse público; de outro modo, configurarão um favorecimento particular de certas empresas em detrimento de outras.
O que tem como consequência que, cessando a autossustentabilidade económica e financeira da empresa que atribui complementos de pensão previstos no artigo 75.º, deve igualmente cessar a sua atribuição até que a empresa recupere a capacidade de autofinanciamento da sua atividade produtiva corrente. Daí não poderem considerar-se legítimas as expetativas quanto à continuidade do pagamento dos complementos de pensão antes de verificado esse facto.
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