19. Procurando determinar-se se é possível manter, em face do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, o mesmo juízo sobre a transitoriedade das medidas relativas aos trabalhadores do setor público anteriormente emitido, a primeira nota a salientar é a de que a norma agora sob fiscalização, se por um lado beneficia, em relação às precedentes disposições, de uma maior precisão quanto ao respetivo período de vigência, que lhe é conferida por uma cláusula de temporalidade expressamente coincidente com a duração do ano a que se reporta, por outro reitera pelo quarto ano consecutivo a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o respetivo n.º 9. Fá-lo, não obstante se encontrar oficialmente previsto para maio de 2014 o termo do Programa de Assistência Económica e Financeira e, a mais disso, com apoio num discurso justificativo que, apesar de manter a ligação aos “objetivos de consolidação orçamental” a que se autovinculou o Estado Português, dá sinais de romper com o horizonte temporal que vinha sendo reiteradamente considerado, apontando, através da invocação de fundamentos relacionados com o “processo de revisão estrutural da despesa” pública e do objetivo de “ajustar para os níveis de mercado as remunerações” de certos grupos da Administração Pública, para o caráter permanente da medida, ainda que sujeita a ulterior reformulação (Relatório OE 2014, págs. 31, 45 e 50).
Conforme inequivocamente resulta da anterior jurisprudência do Tribunal, a transitoriedade cujo estabelecimento vem integrando o juízo de conformidade constitucional das disposições orçamentais relativas à retribuição mensal dos trabalhadores do setor público supõe mais do que a mera revisibilidade da medida.
Tal como vem sendo extraído daquelas disposições, o caráter temporário da afetação do valor das remunerações base mensais pagas por dinheiros públicos resulta diretamente da sua vocação plurianual, por se tratar de uma medida funcionalmente indexada à execução do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), e se destinar, por isso, a vigorar, através da sucessiva renovação orçamental, durante o período, certo e pré-determinado, de vigência daquele.
Assim entendida, a plurianualidade da redução das retribuições auferidas pelos trabalhadores do setor público é aquela que resulta da duração do ciclo orçamental condicionado pelas obrigações de consolidação assumidas no âmbito daquele Programa, o que se monstra compatível ainda com renovação da medida no Orçamento de Estado para 2014.
O ano de 2014 é ainda, tal como sucedeu com os três anos anteriores, um ano orçamentalmente dependente do cumprimento dos compromissos específicos a que o Estado Português se autovinculou no âmbito dos contratos de financiamento celebrados com o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, o que, em termos objetivos, permite reconduzir a afetação do valor das contraprestações remuneratórias, agora renovada, à integral realização do esforço de consolidação orçamental iniciado em 2011 e, consequentemente, ao critério com base no qual vem sendo desde então estabelecida a temporalidade da medida.
Por assim ser, o desfasamento temporal que, em parte, se verifica entre o PAEF – que findará antes de completado o ano de 2014 — e a redução remuneratória prevista no artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013 – que perdurará até ao termo do ano em causa — não assumem uma relevância decisiva.
Considerando que o PAEF, apesar de formalmente ter findado em maio, sujeita a constrangimentos financeiros, em particular aos que resultam dos limites fixados ao défice, todo o exercício de 2014, mantém-se inalterada a possibilidade de relacionar funcionalmente a afetação remuneratória renovada na Lei n.º 83-C/2013 com as obrigações de sustentabilidade orçamental resultantes dos compromissos assumidos no âmbito daquele Programa, o que, por seu turno, permite concluir pela subsistência do circunstancialismo que conduziu a qualificar como não definitiva a afetação salarial sucessivamente imposta pelas leis orçamentais para 2011, 2012 e 2013.
Tal conclusão, para além de reforçada pela própria regra da anualidade a que se encontra constitucionalmente vinculado o Orçamento de Estado (artigo 106.º, n.º 1, da CRP) − que impõe que o planeamento da gestão financeira que naquele se encontra vertido assuma como período temporal de referência o do ano civil a que diz respeito e ao mesmo globalmente reporte a previsão e a programação das despesas e das receitas −, é, além do mais, sintónica com o facto de, nas suas anteriores pronúncias, o Tribunal ter estendido ao ano de 2014 o juízo de prognose sobre a plurianualidade das medidas orçamentais relativas às contrapartidas remuneratórias dos trabalhadores do setor público impostas no âmbito da estratégia de consolidação determinada pelas obrigações específicas assumidas pelo Estado português, na sequência do pedido de ajuda financeira externa.
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