DECLARAÇÃO DE VOTO
Divergi da posição assumida pela maioria, quanto ao juízo de (in)constitucionalidade formulado relativamente às normas dos artigos 33.º e 115.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro de 2013, que aprova o orçamento de Estado para 2014, concluindo pela sua não inconstitucionalidade, com os fundamentos que de seguida se explicitam.
1. Quanto à inconstitucionalidade do artigo 33.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (redução remuneratória):
Considerou a posição que obteve vencimento no acórdão que, no plano normativo, a questão da validade constitucional da medida inscrita no artigo 33.º da LOE 2014 não seria substancialmente diversa daquela que foi apreciada por este Tribunal, no acórdão n.º 187/2013, a propósito das medidas de redução remuneratória, associadas à suspensão do pagamento do subsídio de férias dos trabalhadores do setor público.
Essa similitude deteta-se na natureza das medidas em causa – mormente no seu caráter transitório, perpassado por um objetivo imediato de consolidação orçamental - e ainda na circunstância de, mantendo-se inalteradas as circunstâncias da execução orçamental, as medidas introduzidas em 2014 terem uma carga ablativa de “sentido ambivalente” às estabelecidas (cumulativamente) na LOE 2013.
Atentos estes pontos de contato, não surpreende que a conclusão da maioria quanto à validade constitucional da medida em causa não tenha sofrido alterações. Tal posição, recorde-se, não contesta a razoabilidade do fundamento oferecido pelo legislador para justificar a diferença de tratamento introduzida entre aqueles que recebem por verbas públicas e aqueles que atuam no setor privado, mas impugna – antes – a razoabilidade da medida da diferença instituída por esse tratamento (igualdade proporcional). A “descoberta” dessa desrazoabilidade prende-se, por um lado, com a evidência da dispensabilidade da solução encontrada pelo legislador no quarto ano consecutivo de execução orçamental, e, por outro, com a medida do sacrifício exigido aos trabalhadores do setor público, que se qualifica de desproporcionada e excessiva.
Discorda-se deste juízo pelas razões já apontadas na declaração de voto anexa ao acórdão n.º 187/2013. Limitamo-nos, por isso, a enfatizar alguns aspetos. Como ali se disse, a matéria cuja validade constitucional se aprecia não integra o leque daquelas em que se devolve ao legislador o ónus de demonstrar a bondade das suas escolhas (sobre este ónus, v., por ex., o acórdão n.º 632/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tampouco o critério de diferenciação mobilizado pelo legislador justifica, da parte do Tribunal, um crivo mais severo do que aquele de que geralmente se lança mão na apreciação do “conteúdo mínimo” do princípio da igualdade, proposição que tem, importa sublinhar, um extensíssimo lastro na jurisprudência constitucional sobre a matéria (v. Maria Lúcia AMARAL, “O princípio da igualdade na Constituição Portuguesa”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Armando Marques Guedes, Coimbra Editora, 2004, p. 50).
Destarte, tendo em conta a prerrogativa de avaliação de que quer o executivo (autor da proposta de Orçamento), quer o legislativo democraticamente legitimado devem beneficiar em matéria financeira e orçamental, crê-se que os argumentos avançados no que concerne a evidência da dispensabilidade da medida e a existência de soluções alternativas para a redução do deficit continuam a situar-se no plano daquilo que é “jurisdicionalmente indemonstrável”.
2. Quanto à inconstitucionalidade do artigo 115.º da Lei do Orçamento de Estado para 2014:
Discordei ainda do entendimento perfilhado pela maioria sobre a inconstitucionalidade do artigo 115.º da LOE 2014, que institui uma contribuição sobre prestações de doença e de desemprego.
Como ponto prévio, ainda que não determinante, importa destacar que da fundamentação do acórdão n.º 187/2013 decorre - assim o cremos - que o juízo de inconstitucionalidade nele proferido a propósito da norma constante do artigo 117.º da LOE 2013 se ficou a dever, em exclusivo, à ausência de qualquer isenção de base quanto às prestações de desemprego e doença afetadas. Esta conclusão, mesmo depois de estabelecida a mencionada isenção de base, não torna a medida imune ao escrutínio constitucional. Não nos convencem, todavia, as dúvidas levantadas pelo acórdão quanto à necessidade e proporcionalidade em sentido estrito das contribuições instituídas. Vejamos.
É consabido, e o acórdão não o contraria, que a Constituição não assegura o direito a um concreto montante de assistência material, pelo que a redução do quantum das prestações em causa não se assume como uma medida restritiva do direito dos trabalhadores à assistência material em situação de desemprego e de doença (cfr. os artigos 63.º, n.º 3 e 59.º, n.º 1, alíneas e) e f), da Constituição). Visto que a medida ora analisada salvaguarda os níveis mínimos de rendimento já objeto de concretização legislativa, não há que apurar da respetiva validade à luz do direito fundamental a um mínimo para uma existência condigna. Tal dado é igualmente relevante no que concerne o escrutínio da proporcionalidade da medida, porquanto este não pode deixar de obedecer a níveis de intensidade diversos consoante em causa esteja, ou não, a restrição a um direito fundamental.
Fora desta hipótese, atento o amplo poder de conformação de que dispõe o legislador na concreta modelação do conteúdo dos direitos sociais, a censura constitucional só deverá ser dirigida a situações-limite, ou seja, aquelas em que seja possível concluir, indubitavelmente, pela violação manifesta das exigências constitucionais.
Em nosso entender, a medida inscrita no artigo 115.º da LOE 2014 não é uma dessas situações. Com efeito, atento o terreno pisado, é imprestável tentar evidenciar cabalmente a indispensabilidade da opção legislativa, concebendo a existência de outros meios menos gravosos, ou indagando do benefício orçamental proveniente da sobrecarga contributiva. Certo é que se encontra salvaguardado o nível mínimo exigido pela dignidade da pessoa humana e que a medida tem caráter transitório e excecional, não soçobrando argumentos para desmerecer as justificações fornecidas pelo Governo quanto à sua mais-valia na racionalização das despesas com prestações sociais e no combate ao deficit da segurança social.
Face ao exposto, concluímos que a opção legislativa vertida no artigo 115.º da LOE 2014 ainda se conserva dentro de um “círculo de razoabilidade” reclamado pelo princípio da proporcionalidade, não havendo, por conseguinte, violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
J. Cunha Barbosa
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